segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Josué não é hippie

A barba por fazer é a única coisa que remete o dono da banca de artesanato hippie, no centro de Tubarão-SC, ao antigo movimento. A camiseta surrada e os jeans já rotos não lembram nem de longe a explosão de cores e liberdade da cultura do paz&amor.

Josué Luz tem 42 anos, e o artesanato, vendido de segunda a sexta, na banca, é a única fonte de renda dele e da mulher,também artesã.

“Já nasci em uma feira de artesanato” diz, sobre o fato de os pais terem lhe ensinado o ofício. Ninguém da família se opôs quando Josué começou a fazer e comercializar brincos e pulseiras.

Ele tem dois filhos, uma moça, hoje com 22 anos, e um garoto, de 11 anos. Quando pergunto se ele se importaria, caso os filhos quisessem seguir a mesma carreira do pai, Josué dá de ombros.

Ele conta que o filho mais novo adora desenhar. “O guri desenha legal, já mostra uma
veia artística, né?!”.

Ao falar sobre sua filha mais velha, ele sorri saudoso. “Ela faz faculdade, não mora comigo, está em Porto Alegre”. E antes de me responder que curso a moça faz, ele deixa escapar uma risada. “Ela vai ser jornalista”.

Enquanto conversamos, o movimento na banca não para. E entre interrupções, como “esse é dois (R$2), mas se levar três tem desconto!”, Josué volta a afirmar: “se um dos meus filhos quiser trabalhar com isso não vou me importar. É gostoso, não
cansa e dá uma grana legal”.

Josué e a esposa são gaúchos, de Porto Alegre. O que os trouxe a Tubarão? A velha Kombi em que moravam, eles e os filhos pequenos.

“Viajávamos de Porto para São Paulo até que a Kombi quebrou, bem aqui perto, na
BR-101. A pequena já estava em idade de ir para a escola, e o carro demorava a ficar pronto. Fomos ficando e ficando, e estamos aqui, até hoje”.

Do antigo veículo restam só as lembranças, tão fortes para a família, que acabou por adquirir uma nova Kombi. “A velha nós vendemos, mas comprei outra”.

Para matar as saudades, ele e a esposa ainda dormem na Kombi quando levam seus produtos para vender em rodeios e eventos religiosos, nos fins de semana.

“É um hábito nosso, e também para ganhar um extra”, conta sobre o trabalho fora das calçadas tubaronenses. Josué explica que eles adaptam a produção, fazendo desde rosários com sementes até artefatos em couro para atrair o público deste tipo de festa.

Ele também revela que a mídia contribui consideravelmente para as vendas. “Novelas
e reality shows sempre geram aumento na procura pelos nossos artesanatos quando têm personagens mais ‘alternativos’. Esta novela indiana que está passando está nos ajudando muito agora, temos vendido muitos brincos, anéis e pulseiras”, exemplifica
Josué, falando sobre o folhetim exibido no horário nobre da Rede Globo de Televisão.

Na cidade, muitos se referem ao local de trabalho de Josué como “banca do hippie”.
Mas quando questionado ele dispara: “Não sou hippie”, e diz que o movimento nunca existiu aqui. Em grande parte dos livros e sites que abordam o tema, o movimento é descrito como um evento que reuniu jovens norte-americanos, inicialmente, sob a
mesma ideologia, de usar a paz para acabar com desigualdades encontradas nos EUA, como a segregação racial. Acompanharam o estilo, que marcou a década de 70 e posteriormente se espalhou pelo mundo, de roupas extravagantes e assessórios artesanais, confeccionadas com materiais reaproveitados, o que reforçava o ideal da busca pela ligação com a natureza.

Mas Josué retifica: “os únicos hippies de verdade foram os jovens que se recusaram a
participar da Guerra do Vietnã. Sem documentos, eles passaram a fazer artesanato para poder se alimentar. Só esses foram realmente hippies”.

Josué também desabafa. “As pessoas têm muito preconceito”. Quando pergunto qual, ele
hesita.

“Ah...elas sentem pena, olham diferente, mas eu nem dou bola”. E faz graça ao dizer “melhor, elas ficam com ‘peninha’ e compram nossas peças ‘para ajudar’”.

O artesão adora seu trabalho, e exclama que se preocupa com o futuro. “Pago previdência e até comprei uma casa”.

Atualmente, Josué e a família moram em Laguna, na Vila das Laranjeiras, uma colônia de pescadores. Ele conta que o filho estuda com os filhos dos pescadores e já
está aprendendo a pegar peixes.

Peço uma frase para ele dizer ao mundo. Ele pensa por um momento e declara: “Matemática é poder”.

E a matemática a que ele se refere é a do dinheiro, de saber contar, empregar, vender e principalmente, a de se importar com este.

Algo que pode significar muito para a maioria das pessoas, mas é uma forma de poder que não interessa tanto ao Josué.

O artesão adora o que faz e revela que já fez cursos de carpintaria, que considera
uma forma de artesanato em maiores dimensões. O próximo passo? Josué pretende fazer um curso de carpintaria naval.

“Meu sonho... é terminar a vida em um navio...” [FIM]